quinta-feira, 30 de agosto de 2018

Provérbios usados no Cariri
      Outrora, nas suas conversas corriqueiras, os caririenses tinham o costume de inserir – nos seus colóquios com vizinhos e conhecidos – os tradicionais “ditados populares”. Estes resumiam o jeito do povo de entender e viver a vida naquele tempo. Relembremos alguns desses conceitos morais, muito repetidos naqueles períodos passados: “Mato tem olhos, paredes têm ouvidos”; “Brigam as comadres, descobrem-se as verdades”; “Boi sonso é que arromba a cerca”; “Ladrão de  tostão, ladrão de milhão”; “Cajueiro doce é que leva pedradas”; “Não  há fogo ameno, nem inimigo pequeno”; “O bom remédio amarga na boca”; “A bocas loucas, orelhas moucas”; “Ser valente com os fracos é covardia”; “Quem vê cara não vê coração”; “Para desaforado, desaforado e meio”; “De pequena fagulha, grandes labaredas”; Mais fere má palavra do que aguda espada”; “Quem debocha não tem bom coração”.

O Cariri no tempo da UDN e  PSD

     Na tumultuada tradição republicana do Brasil, o Cariri viveu 20 anos de democracia plena.  Depois da queda da ditadura de Getúlio Vargas (mais uma), que perdurou de 1930 a 1945, nosso país vivenciou – entre 1945 ao início de 1964 – uma democracia plena. O Cariri teve prestigio político nesses anos.
    Tivemos, àquela época, uma geração de políticos respeitados pela população, e filiados aos partidos que haviam surgido pós-ditadura Vargas: PSD, UDN, PTB, dentre outros. Eles representavam as correntes de opinião da época. Quem se filiava a um desses partidos permanecia fiel a ele por toda a vida. Diferente de hoje quando os políticos mudam de legenda como quem muda de camisa.
     Naqueles vinte anos, elegeram-se, pelo Cariri, deputados federais políticos da envergadura moral de um Alencar Araripe, Joaquim Fernandes Teles e Leão Sampaio, todos da UDN. Pelo PSD tínhamos Wilson Gonçalves (deputado estadual, vice-governador do Ceará e Senador da República). Nos dias atuais, com mais de 1 milhão de habitantes, a Região do Cariri não tem um único deputado federal. Houve uma época em que, apesar da economia fraca, pequena população e isolamento da nossa região (em relação aos centros mais adiantados do Nordeste) o Cariri era um celeiro de bons políticos, pois muitos deputados estaduais cearenses eram originários dos municípios caririenses. A exemplo de Wilson Roriz, Conserva Feitosa, Filemon Teles, Pio Sampaio, Napoleão Araújo, dentre outros. Bons tempos aqueles. Hoje o Cariri tem pouca força politica.

Escritores caririenses: Monsenhor Francisco Holanda Montenegro
    Nasceu em Jucás (CE) em 25 de fevereiro de 1913 e faleceu em Crato, no dia 10 de abril de 2005. Foi diretor do Colégio Diocesano de Crato durante 50 anos. Sacerdote culto, sério, foi membro do Conselho de Educação do Estado do Ceará e professor da Faculdade de Filosofia de Crato.
    Era sócio do Instituto Cultural do Cariri, ocupante da Cadeira 9, cujo patrono é Dom Francisco de Assis Pires. Proferiu importantes conferências em instituições culturais do Nordeste brasileiro. Ao lado de suas exaustivas atividades de professor e sacerdote, fazia pesquisas que resultaram em vários livros importantíssimos para o resgate da história do Cariri.
       São de autoria de monsenhor Montenegro os livros: “As Quatro Sergipanas” (publicado pela Universidade Federal do Ceará, onde resgata a genealogia dos primeiros desbravadores do Cariri);  “Monsenhor Pedro Rocha de Oliveira– O Apóstolo da Caridade” (biografia deste ilustre sacerdote); “Os Quatro Luzeiros da Diocese” (resgate da história inicial da Diocese de Crato através da biografia dos seus quatro primeiros bispos); “Fé em Canudos” (mostrando o lado místico do lendário Antônio Conselheiro, líder da comunidade de Canudos). Escreveu ainda vários trabalhos (publicados em revistas e jornais), com destaque para uma biografia de Dom Quintino, primeiro bispo da Diocese de Crato.
          Mons. Montenegro foi agraciado com diversas comendas e honrarias, dentre elas: a Medalha da Abolição (a mais alta comenda do Ceará); Medalha Justiniano de Serpa, da Secretaria da Educação do Ceará; Medalha do Mérito Bárbara de Alencar, da Prefeitura de Crato; Medalha Educador Emérito, do Ministério da Educação. Um valoroso intelectual, uma grande figura humana!

O papel das “elites” para o progresso do Cariri
   
Em 1838, o naturalista escocês George Gardner esteve em Crato. De volta à Inglaterra assim ele descreveu (no livro “Viagem ao interior do Brasil) Crato e sua sociedade: “Toda a população da Vila chega a dois mil habitantes, na maioria todos índios ou mestiços que deles descendem. Os habitantes mais respeitáveis são brasileiros, em maioria negociantes; mas como ganham a vida as raças mais pobres é coisa que não entendo”(...) “A moralidade dos habitantes de Crato é, em geral, baixa; o jogo de cartas é sua ocupação principal, durante o dia; quando faz bom tempo, veem-se grupos de todas as classes, desde os que se chamam “gente graúda” até as mais baixas, sentados nos passeios, à sombra da rua, profundamente absorvidos pelo jogo (...) “São então frequentes as brigas, que muitas vezes se resolvem a faca’.
      

Quando esse panorama começou a mudar
     O historiador cratense Irineu Pinheiro escreveu no seu livro “O Cariri”:
     “ (Somente) no meado do século XIX, começou a ascender o estalão moral da sociedade de Crato, que podemos considerar padrão de toda a zona caririense. Até então era inferior o nível de moralidade do lugar. Um dos motivos de aperfeiçoamento dos costumes foi a emigração para Crato de famílias, especialmente de Icó, cujo esplendor principiava a declinar. Fixaram-se na nova terra fértil, menos sujeita às crises climáticas, enriquecendo-a com seu labor e, portanto, civilizando-a, os Alves Pequenos, os Candeias, os Bilhares, os Garridos, os Linhares, os Gomes de Matos e outros cujas descendências se prolongaram até nós. Frutificaram os bons hábitos familiares dos recém vindos”.
       A chegada a Crato dessas famílias vindas de Icó (uma cidade dotada, à época, de bonitos prédios e bom comércio, com uma população profundamente católica e mais educada do que as das vilas caririenses) teve influência decisiva para a mudança da vida religiosa, política, social e cultural do Cariri.  Antônio Luís Alves Pequeno, um dos chegados de Icó, tinha a patente de Coronel da Guarda Nacional. Praticavam hábitos e conduta de um homem empreendedor e logo se tornou influente no cenário político da cidade. Foi Presidente da Câmara Municipal, em 1853, pouco antes de o Crato ser elevado à categoria de cidade. Construiu o primeiro sobrado de Crato, feito nos moldes dos existentes em Recife.

 As elites caririenses do passado
     A partir daí começaram os frutos benéficos dessa elite. Nestes tempos medíocres e confusos, ora vivenciados – de maneira mais visível no nosso querido e sofrido Brasil – a maioria da população desconhece não só o significado da palavra “elite”, mas, e, sobretudo, o real papel que uma verdadeira “elite” exerce para a formação da sociedade na qual está inserida. A elite (hoje erroneamente confundida com o sinônimo de “burguesia” ou de "rico") se constituiu – no final do século XIX e durante as décadas iniciais do século XX –  numa força para a construção de uma sociedade saudável e fraterna. No Cariri – daquela época – as verdadeiras elites formavam a parcela mais educada, mais preparada, a que conservava os valores éticos, morais, religiosos e sociais. Barbalha, por exemplo, possuiu, naqueles tempos passados, uma elite assim. Ela formava a camada social honrada, respeitada, digna e filantrópica.  Deve-se àquela essa elite o que a “Terra de Santo Antônio “conquistou de melhor em favor daquela comunidade, cujas realizações perduram até os dias atuais.

Zuca Sampaio, arquétipo da elite barbalhense
                                                     O Chalé de Zuca Sampaio, em Barbalha

      José de Sá Barreto – mais conhecido como Zuca Sampaio – foi um arquétipo da elite barbalhense no período acima citado. Ele tinha consciência de que seus bens patrimoniais, seu prestígio social e até seu talento pessoal deviam ser postos em favor dos menos favorecidos. Que o seu trabalho como cristão e cidadão deveria elevar o estamento social da sua cidade natal. E fê-lo dando aos seus afazeres a finalidade de beneficiar sua família, seus amigos e as pessoas necessitadas da sus comunidade. 
    Igreja de Nossa Senhora do Rosário, construída pelas famílias barbalhenses no inicio do século XX

        Zuca Sampaio trabalhava, o dia inteiro, no seu estabelecimento comercial, com ligeiro intervalo para o almoço. Próximo ao pôr-do-sol, passava na sua residência para o jantar. Em seguida, pegava o candeeiro, livros, cadernos, lápis e ia ensinar as primeiras letras no “Gabinete de Leitura” (instituição por ele fundada) e destinada à alfabetização de pessoas carentes de Barbalha. Ali, ministrava a doutrina cristã, os princípios morais e o amor à pátria. Foi o leigo católico de maior projeção daquela cidade. Presidiu, por longos anos, a Conferência de São Vicente de Paulo (da qual foi um dos fundadores), amparando a pobreza de Barbalha.

quarta-feira, 22 de agosto de 2018









O poeta Zé de Matos
“As cidades são feitas de poesias e de pessoas”, diz um velho adágio. A ser verdade este aforismo, está explicado porque, ainda hoje, a memória de Zé de Matos continua presente em Crato e no Cariri. Dele pouco se sabe. Exceto que era analfabeto, pobre e boêmio. Sequer se sabe a data e o lugar do seu nascimento, embora ele dissesse que veio ao mundo em Crato. Faleceu em 1904. Provavelmente em Caririaçu. Restaram dele a tradição oral de suas improvisações poéticas, sempre inspiradas quando estava sob o efeito de conhecido produto dos alambiques caririenses. Abaixo duas delas:


‘Terra boa é o Cariri,
tem mangaba e tem pequi,
tem muita moça bonita
e cabra bom no fuzi.
Mas arredó de sete légua
tem cabra fi duma égua,
que nega até um pequi”

Noutra ocasião, Zé de Matos versejou sobre as “famílias tradicionais”

“Nunca vi Teles valente
nem Quezado trabalhador,
Pinheiro inteligente
e Alencar rezador
da Família dos Bezerra
só o Zeca dos Currais
mesmo assim não é certo,
dá prá frente e dá prá trás”

As reservas fossilíferas do Cariri
   
A Chapada do Araripe, caracterizada por sua rica biodiversidade, foi pioneira na criação da primeira floresta protegida do Brasil. Há mais de setenta anos – quando não se falava em ecologia ou biodiversidade – através do Decreto n° 9.226, de 02 de maio de 1946, o Governo Federal criou a primeira reserva florestal do Brasil: a Floresta Nacional do Araripe. Em 1997, ela foi ainda mais protegida, desta feita com a criação da Área de Proteção Ambiental (APA) da Chapada do Araripe.
        Lá fica, também, outra riqueza que remonta a milhões de anos: as maiores jazidas fossilíferas do período cretáceo em todo o planeta. São os fósseis de peixes e até de pterossauros. A Bacia Sedimentar da Chapada do Araripe é considerada um dos mais importantes sítios paleontológicos do mundo.

A verticalização de Juazeiro do Norte
    Até o início do presente século, poucos eram os grandes edifícios existentes na conurbação Crajubar. Capitaneada por Juazeiro do Norte, as construções de grandes prédios residenciais se alastram pelas áreas citadinas do Crajubar. Maior cidade do Cariri, Juazeiro do Norte passa por um processo de verticalização. Esta cidade se tornou um polo de desenvolvimento de uma das mais ricas regiões do Ceará. A Terra do Padre Cícero conta com uma boa infraestrutura atendendo às diversas áreas, como educação, saúde, malha aeroportuária e rodoviária, dentre outras. A economia de Juazeiro do Norte exerce hoje influência sobre uma população estimada em três milhões de habitantes, espalhada por municípios limítrofes do Cariri com os estados da Paraíba, Pernambuco e Piauí e todos as cidades do centro-sul do Ceará.

O livro do mês de agosto
    Raro é o mês do ano que não temos lançamento de um novo livro em Crato. No último dia 14 de agosto – data do Jubileu de Prata da ordenação episcopal de Dom Fernando Panico – amigos deste bispo lançaram o livro “Corações ao alto”. Uma publicação com depoimentos e testemunhos sobre o edificante ministério deste bispo, nas duas dioceses de onde foi titular: Oeiras–Floriano (PI) e Crato (CE). Organizado por Enoque Fernandes de Araújo e publicado pela Gráfica JB, de João Pessoa (PB), o livro tem 174 páginas e 9 capítulos. Cada um escrito por Armando Lopes Rafael, Pe. Acúrcio de Oliveira Barros, Madre Maria Aparecida Couto (Abadessa do Mosteiro Beneditino de Juazeiro), Eduardo Henrique Valentim, Aroldo Braga, Irmã Annette Dumoulin e Maria do Carmo Pagan Forte.
     São revelados, no livro, detalhes pouco conhecidos de Dom Fernando Panico, destacando sua fidelidade ao Evangelho, o serviço aos pobres, aos romeiros do Padre Cícero e ao compromisso com uma Igreja orante e missionária, onde é realçado o perfil da ação evangelizadora do atual Bispo-emérito de Crato.

O livro do mês de setembro
      Abaixo, o convite para o lançamento do livro póstumo de Manoel Patrício de Aquino (Nezinho) que ocorrerá na noite do próximo dia 6 de setembro, na sede do  Instituto Cultural do Cariri.
Missão Velha e a “Proclamação da República”
                                        A belíssima igreja-matriz de São José de Missão Velha

      Leitor de “Caririensidade”, o historiador missãovelhense João Bosco André escreveu-nos para concordar com a nota (publicada na coluna da semana passada), sobre o mandonismo dos “coronéis”, novos detentores do poder municipal, após o golpe militar de 15 de novembro de 1889.  Aquela quartelada derrubou a monarquia constitucional do Brasil e impôs – sem apoio popular – o regime republicano a nossa pátria.   No livro que João Bosco André escreveu (“Documentos para a história de Missão Velha”, na página 114) ele resgata o fato de a Câmara de Vereadores, daquela cidade, a exemplo da de Crato, só reconhecer o novo governo republicano 1 (um) mês e 5 (cinco) dias depois da queda da monarquia.
     Qual o motivo dessa demora? João Bosco André dá sua versão:  “Vê-se claramente que os vereadores de Missão Velha estavam reticentes (em cima do muro) com medo de o novo regime republicano não dar certo”. Não só isto. O historiador missãovelhense complementa o comentário: “O Vereador Róseo Jamacaru, renunciou (ao mandato) em 13 de fevereiro de 1890 (três meses depois do golpe militar), alegando que seus colegas vereadores eram mais monarquistas do que republicanos”.

Escritores do Cariri: Raimundo de Oliveira Borges
    Nasceu na vila de São Pedro do Crato – depois São Pedro do Cariri, (hoje Caririaçu) – em 02 de julho de 1907.Faleceu com mais de 102 anos, em 10 de julho de 2010. Jurista, historiador e escritor. Foi diretor das 3 Faculdades pioneiras de Crato: a de Filosofia, a de Ciências Econômicas e a de Direito. Presidente, em vários mandatos, do Instituto Cultural do Cariri. Escreveu cerca de 30 livros sobre os mais variados temas, frutos de meticulosas pesquisas, a exemplo de “O Coronel Belém de Crato, um injustiçado”; “Memória Histórica da Comarca do Crato”; “O Padre Cícero e a Educação em Juazeiro”; “Serra de São Pedro”; “Crato intelectual”.
   Foi Secretário da Prefeitura de Crato; Promotor Público em várias comarcas e, depois de aposentado, advogou por várias décadas. Foi político. Presidente, diversas vezes, da Expocrato; do Rotary Clube de Crato e da Associação dos Criadores de Crato. Prestou relevantes serviços à região Sul-cearense, a exemplo da Campanha de Eletrificação do Cariri.
   Ao falecer, seus filhos transformaram sua residência (localizada no centro de Crato, em frente à Reitoria da URCA) no “Memorial Raimundo de Oliveira Borges”. Um grande escritor, um exemplar cidadão e chefe de família; um homem de bem a toda prova!
História: Quem fundou Juazeiro do Norte? A opinião de Amália Xavier de Oliveira
Juazeiro Primitivo - óleo sobre tela de Assunção Gonçalves. A casa grande, à esquerda, pertencia ao Brigadeiro Leandro. À direita,a capelinha  de Nossa Senhora das Dores.

      A educadora e historiadora Amália Xavier de Oliveira sempre defendeu que foi o Brigadeiro Leandro Bezerra Monteiro o fundador da Juazeiro do Norte. Num dos livros que escreveu (“O Padre Cícero que eu conheci: verdadeira história de Juazeiro do Norte”, 3ª edição, Editora Massangana, 1981, página 33) Amália afirmou:
“Com o falecimento do Brigadeiro, ocorrido em 1831, as terras onde havia sido edificada a capelinha de Nossa Senhora das Dores e as que foram destinadas ao patrimônio da mesma, passaram aos herdeiros do Brigadeiro, ficando no espólio de dois de seus filhos: Gonçalo Luiz Teles de Menezes e Joaquim Antônio Bezerra de Menezes. Estes doaram aquelas terras ao patrimônio de Nossa Senhora das Dores conforme ainda hoje existe e cuja escritura está no Cartório de Crato. Estas duas certidões cujas cópias tenho em meu poder e poderão ser vistas no original do 1º Cartório de Crato, são suficientes para confirmar que o fundador do Povoado de Juazeiro, iniciado com a construção da Capelinha, foi o Brigadeiro Leandro Bezerra Monteiro e os primeiros povoadores foram os seus descendentes, existindo ainda hoje muitos deles aqui representados pela família Bezerra de Menezes espalhada em todo o Ceará e ainda em diversos estados do Brasil".  (Grifos meus).

quarta-feira, 15 de agosto de 2018

A época em que os coronéis da Guarda Nacional mandavam e desmandavam no Cariri
    Segundo o historiador Irineu Pinheiro (“Efemérides do Cariri”, página 165), somente em 21 de dezembro de 1889 (1 mês e 6 dias depois do golpe militar que impôs a República no Brasil) a Câmara Municipal de Crato realizou a sessão para aderir a nova forma de governo implantada em 15 de novembro daquele ano. 
     Donde se conclui que as notícias sobre a "proclamação" da República chegaram ao Cariri num clima de total indiferença por parte da população. Não existiam – em Crato e demais cidades caririenses – simpatizantes do movimento republicano.
      Em Fortaleza, a capital do Ceará, a notícia do golpe militar chegou pelo telegrafo já que havia esse tipo de comunicação entre Fortaleza e o Rio de Janeiro. Já as comunicações entre o Cariri e a capital da Província eram precárias. Não havia, entre as duas cidades, linhas telegráficas.  Gastava-se um mês nas viagens entre Fortaleza e Crato, esta última, àquela época, a cidade mais importante do Cariri.
      O “coronelismo” foi um fenômeno que cresceu muito com a chamada “Proclamação da República”. Durante a Primeira República (1889-1930), o coronelismo acentuou-se como poder local nas cidades do interior nordestino. Os coronéis passaram a exercer o chamado “mandonismo político”. Crato não ficou imune ao fenômeno. Com a derrubada da monarquia – e a expulsão do Imperador Dom Pedro II e sua família, – o brasileiro comum não tinha mais a quem recorrer (com a mesma confiança e imparcialidade  existentes nos tempos imperiais) a um poder isento para resolver seus problemas.

Como surgiu a famosa “Lei de Chico Brito”
 Cel.Chico de Brito

     Entre 1896-1912 – por 16 anos – governou o Ceará a oligarquia dos Accioly. Vem de longe, como se vê, a tradição de “famílias importantes” dominarem o poder no Ceará. Era “Intendente” de Crato, àquela época, o Cel. Antônio Luiz Alves Pequeno, fiel ao clã Accioly. “Intendente” era como se chamava (no início dos conturbados tempos republicanos), o atual cargo de “Prefeito Municipal”. Derrubado o Governo Accioly, assumiu o Coronel Franco Rabelo. Este, nomeou como novo intendente de Crato seu aliado, o Coronel Francisco José de Brito.
       O antigo intendente Antônio Luiz Alves Pequeno não quis entregar o cargo. O Coronel Francisco José de Brito, inteligente e astuto, foi ao Lameiro e trouxe até a Praça da Sé (onde ficava o prédio da Intendência) um grupo de amigos. Encontrando a Intendência fechada, arrombou a porta e sentou-se na cadeira do Intendente anterior. Nisto apareceu o Dr. Irineu Pinheiro, sobrinho do Cel. Antônio Luiz. Irineu Pinheiro (que depois seria um dos maiores historiadores do Cariri) ficou revoltado e perguntou:
– “Mas que lei é essa na qual o Sr. se arrima para assumir a Intendência”?
     O Cel. Chico de Brito, tranquilamente, sentenciou:
– “É a “Lei de Chico de Brito”! Esta lei eu mesmo fiz. E estamos conversados”.

Potengi: o maior polo de ferreiros do Cariri
    Potengi, pequena cidade do Sul-cearense, possui o maior polo ferreiro do Cariri. Ali se fabrica facas, foices e outros artefatos de ferro, cuja produção é vendida no comércio local e exportada para outros municípios do Ceará, Piauí e Maranhão.  Potengi é conhecida como “a cidade que não dorme”. Isso devido aos produtos da metalurgia, serem moldados em meio a grande calor, quando o ferro é aquecido – em uma forja que se mantém quente graças a um fole operado a mão – até ficar vermelho-brilhante. A seguir, o ferreiro vai batendo e dando forma aos objetos.
    Em Potengi, os ferreiros sempre começam a trabalhar à meia-noite quando a temperatura é mais amena. Manualmente, o ferro é modulado sobre as bigornas E nessa hora começam as batidas dos martelos sobre o ferro, ecoando pela pequena cidade. Chega a parecer uma sinfonia metálica, esse martelar! Batidas que só terminam com o nascer do sol, quando os ferreiros vão dormir e Potengi inicia novo dia de atividade normal. 

Memória: Um caririense ilustre
    Antônio Martins Filho cognominado “O Reitor dos Reitores”, nasceu em 22 de dezembro de 1904, no sítio Santa Teresa (Missão Velha), mas foi registrado como tendo vindo ao mundo em Crato. Faleceu em Fortaleza, em 20 de dezembro de 2002, dois dias antes de completar 98 anos.
    Era de família pobre e exerceu empregos muito humildes como trabalhador braçal na construção da estrada de ferro Fortaleza–Crato. Mas já aos 18 anos foi um dos fundadores do Academia dos Infantes de Crato (1922). Nasceu para ser grande. Membro de Academias, Institutos, Conselhos de Educação (estaduais e federal), “Doutor Honoris Causa” de dezenas de universidades brasileiras e estrangeiras.
  Escreveu 30 livros sobre Ciências Jurídicas, História, Educação, Literatura e Economia.  Foi agraciado com 12 condecorações de instituições brasileiras e do exterior. No entanto, passou à história como o “Criador de Universidades”.
     Para ficar apenas no Ceará, ele foi fundador, e primeiro reitor, tanto da Universidade Federal do Ceará, como da Universidade Regional do Cariri–URCA. Fundou também a Universidade Estadual do Ceará. Não existe nenhuma rua de Crato com o nome do Dr. Martins Filho. Mas existem, nesta cidade, duas ruas: a Rua Lagarta Pintada (no bairro Lameiro, CEP 63112-125) e a Rua Soldadinho do Araripe (no bairro Vilalta, CEP 63119-085). Mesmo com o crescimento da cidade, os vereadores fingem não ter mais gente ilustre para homenagear como patrono das ruas de Crato.

Embrapa investe no pequi
A beleza da flor do pequizeiro

     Com o título acima, transcrevo nota publicada na coluna de Egídio Serpa (“Diário do Nordeste”, 09-08-2018):
   “Fruta muito consumida pelos cearenses da região do Cariri, o pequi nunca foi tratado com a atenção que merece, pelo menos até agora. A Embrapa Agroindustrial, com sede em Fortaleza, anuncia que dará apoio a um projeto de pequenos produtores que querem agregar valor ao pequi, beneficiando-o pela via industrial, usando para isso o processamento a frio para beneficiar o óleo extraído, artesanalmente, da polpa do fruto. Quer a Embrapa fortalecer a atividade dos agricultores e coletores de pequi e gerar emprego e renda na região do Cariri”.

Cariri poderá ganhar sua primeira santa: a menina Benigna
    O bispo de Crato, Dom Gilberto Pastana de Oliveira, já recebeu o livro “Positio” encerrando a penúltima fase da beatificação da “Serva de Deus” Benigna Cardoso da Silva, a menina Mártir de Castidade. Em outubro esse “Positio” será analisado pelo grupo de teólogos, da Congregação para a Causa dos Santos, que poderá declarar Benigna “Venerável”. Depois disso ela poderá ser proclamada “Beata”, última etapa que antecede a canonização.
      Séculos atrás era mais fácil a Igreja Católica canonizar um “Santo”. Hoje o processo é demorado e difícil. No século XIV a Santa Sé passou a autorizar a prestação de culto, limitado a determinados lugares, a alguns “Servos de Deus” cuja causa de canonização ainda estava em andamento ou sequer tinha sido iniciada. Esta concessão, orientada para a futura canonização, é a origem do que se denomina hoje de “beatificação”. A partir do Papa Sisto IV (1483), os “Servos de Deus” aos quais se prestava um culto limitado passaram a ser chamados de “Beatos” ou “Bem-Aventurados”. Ficou assim estabelecida em caráter definitivo a diferença entre os títulos de “Bem-Aventurado” – o servo de Deus que foi beatificado – e “Santo”, o Beato que foi canonizado.
        Parece um sonho!  Mas a menina-mártir de Santana do Cariri, Benigna Cardoso da Silva, poderá ser a primeira santa do Estado do Ceará.

  História: Padre-mestre Ibiapina e suas passagens pelo Cariri

   Embora nascido em Sobral, em 5 de agosto de 1806, o adolescente José Antônio Pereira Ibiapina viveu – entre 1819 e 1823 – em Crato (onde frequentou aulas de religião com o vigário José Manuel Felipe Gonçalves) e na cidade de Jardim (onde estudou latim com o mestre Joaquim Teotônio Sobreira de Melo). Depois de ordenado sacerdote ele voltaria outras vezes ao Cariri, onde construiu as Casas de Caridade de Crato, Barbalha, Missão Velha e Milagres, bem como a igreja, cemitério e um açude em Jamacaru.
    Na vida civil Ibiapina foi professor de Direito Natural na Faculdade de Olinda; foi eleito Deputado Geral (hoje deputado federal) representando o Ceará na Câmara Legislativa, no Rio de Janeiro; foi nomeado Juiz de Direito e Chefe de Polícia da Comarca de Quixeramobim (CE). ExeRceu a advocacia em Recife. Abandonou tudo isso e, aos 47 anos, foi ordenado Padre da Igreja Católica. A partir daí, percorreu o interior do Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco levando o conforto, através da palavra para o povo sofrido do sertão nordestino. Mas não só isso. A cavalo ou a pé, sempre vestido com a batina, pregava nas “missões”; paralelamente, construía igrejas, capelas, cacimbas, açudes, cemitérios e hospitais. Chegou a construir mais de 20 Casas de Caridade para moças órfãs e carentes.
    Sobre ele, escreveu Gilberto Freyre: “ Ibiapina foi realmente uma enorme força moral a serviço da Igreja e do Brasil. [...] exemplos como o do padre Ibiapina – que,  sozinho, fundou e organizou vinte casas de caridade nos sertões do Nordeste – se impõem aos brasileiros como grandes valores morais”. Faleceu no município de Solânea, na Paraíba, em 19 de fevereiro de 1883. Sua causa de beatificação corre na Congregação para a Causa dos Santos, do Vaticano.
   Ao Padre Ibiapina se aplica com toda justeza as palavras do livro bíblico “Eclesiástico”: “Meu filho, se entrares para o serviço de Deus, permanece firme na justiça e no temor, e prepara a tua alma para a provação; humilha teu coração, espera com paciência, dá ouvidos e acolhe as palavras da sabedoria; não te perturbes no tempo da infelicidade, sofre as demoras de Deus; dedica-te a Deus, espera com paciência, a fim de que no derradeiro momento tua vida se enriqueça”. (Eclo 2,1-3)



quinta-feira, 9 de agosto de 2018

A cachoeira de Missão Velha
Localizada no Sítio Cachoeira, a 3km da cidade de Missão Velha, essa cachoeira forma – na quadra das chuvas do início do ano – quedas d’água, oriundas do Rio Salgado, com aproximadamente 12 metros de altura. No chamado “inverno”, a cachoeira vira uma paisagem de grande beleza. Dizem que ali se realizavam cerimônias religiosas feitas pelas populações indígenas que  habitavam aquele lugar.

    A pouca distância da cachoeira, ainda podem ser vistos os restos de casas de pedra, da primitiva colonização do Cariri, iniciada a partir do século XVII. O Geopark Araripe transformou a Cachoeira de Missão Velha num dos seus “geotopes”. A rocha sedimentar desse geossítio é o arenito da formação Cariri, com aproximadamente 420 milhões de anos (Período Siluriano).

O Boqueirão de Lavras da Mangabeira
   O Boqueirão do Rio Salgado (mais conhecido como Boqueirão de Lavras) é formado por uma pequena chapada – cortada ao meio –  localizada a cinco quilômetros da cidade de Lavras da Mangabeira. Nesse Boqueirão – na parte alta –  localiza-se uma gruta (a Gruta do Boqueirão), que é  é aureolada por lendas e estórias. Cientificamente, sabe-se que o Boqueirão de Lavras foi formado, há milhares de anos, devido à erosão provocada pela ação das águas do Rio Salgado.
    Assim foi se formando uma fenda por onde corre – na quadra das chuvas – as águas do rio, tendo por moldura uma espécie de canyon de rara beleza. O Boqueirão de Lavras há muito já deveria ter sido transformado numa Área de Proteção Ambiental (APA). A exemplo do que foi feito, em 1997, com a Chapada do Araripe.

Tropeiros de Várzea Alegre
O pesquisador Antônio Gonçalo de Sousa é autor do livro: “Tropeirismo nosso”. Tropeiro (também chamado almocreve era o condutor de tropas de animais de carga), uma figura típica no Cariri, até o início do século passado. O tropeiro desapareceu com a chegada do trem e dos caminhões a nossa região.
O livro “Tropeirismo nosso” resgata a vida de Antônio Gonçalo Araripe, (avô do autor) nascido em Várzea Alegre, em 1896. A vida de Antônio Gonçalo Araripe foi toda dedicada ao tropeirismo, sendo ele pioneiro nessa profissão naquele município sul-cearense. 
Durante quase toda a primeira metade do século XX, Antônio Gonçalo Araripe vasculhou a região Sul do Ceará, com sua tropa de burros. Partindo de Várzea Alegre, transportava mercadorias num circuito que ia de Iguatu a Crato–Juazeiro; e de Lavras da Mangabeira a Farias Brito. Com seu honrado trabalho, Antônio Gonçalo Araripe conseguiu até adquirir até uma nesga de terra para moradia e cultivo. Proporcionou le  a educação aos filhos e chegou a comprar uma casinha – na cidade de Várzea Alegre – para acompanhar as festas de São Raimundo Nonato, o santo-padroeiro daquela localidade.

Política de boa vizinhança?
     Crato possui 22 ruas que têm os nomes de todos os municípios do Cariri (mais precisamente os criados até a década 1970). Sua mais longa avenida foi  denominada de “Padre Cícero” (ela começa no bairro São Miguel e vai até a divisa Crato-Juazeiro, no bairro São José, com os CEPs 63122–440 a 445). Tem mais: os vereadores de Crato denominaram – oficialmente – as seguintes ruas: No centro: Rua Juazeiro do Norte (CEP 63100-120); No bairro Alto da Penha: Rua Monsenhor Murilo de Sá Barreto (CEP 63133-800), Rua Coelho Alves (CEP 63113-320) e Rua Mons. Lima (63100-510). Todos essas pessoas residiram e tiveram influência na cidade de Juazeiro do Norte.

As viagens entre Fortaleza e o Cariri há 200 anos

Hoje uma pessoa entra num avião, em Juazeiro do Norte, e depois de 45 minutos desembarca em Fortaleza. Duzentos anos atrás eram precárias as comunicações na Província do Ceará.
Cento e dez léguas (cerca de 660 km) separavam Fortaleza, a capital da Província, localizada às margens do Oceano Atlântico, das pequenas vilas então existentes na região do Cariri, situadas nas faldas da Chapada do Araripe, já na fronteira com Pernambuco.
Chegavam a durar cerca de trinta dias uma viagem entre o litoral e o Cariri cearense, naquele recuado tempo. Esses deslocamentos eram feitos utilizando-se as precárias estradas vicinais constituídas, na maioria das vezes, de simples veredas. Para aquelas viagens utilizavam-se animais. Nos primeiros meses do ano, temporada das chuvas – devido aos lamaçais e aos riachos a serem transpostos – aqueles deslocamentos poderiam demorar ainda mais. Não raro, alguns trechos das veredas ficavam, dias, intransitáveis.
Também nos meses da estiagem os obstáculos eram grandes! O sol escaldante, o forte calor e as estradas poeirentas constituíam um cenário monótono, durante os longos e cansativos dias das viagens, em meio à paisagem cinzenta da vegetação seca da caatinga. Até chegar à paisagem caririense com seus verdes canaviais e o cheiro doce dos engenhos de rapadura, espalhando-se pelos ares...

História: o primeiro jornal do Cariri


Jornalista João Brígido
O jornal chamava-se “O Araripe”. Circulou – na Vila Real do Crato – pela primeira vez em 1855. Seu criador e editor: João Brígido dos Santos, nascido na Vila de São João Barra, na província (hoje estado) do Rio de Janeiro, em 3 de dezembro de 1829. Quando publicou a primeira vez  “O Araripe”, João Brígido tinha apenas 26 anos. A vida dele é uma epopeia que merece ser lembrada. Quando era ainda menino, um dia salvou de um afogamento um colega seu, que tomava banho no rio da cidade de Quixeramobim.  Nome do menino salvo: Antônio Conselheiro. Este, depois seria o líder messiânico de Canudos, imortalizado no livro “Os Sertões” de Euclides da Cunha, e figura de destaque na história do Brasil.
João Brígido dos Santos morou em Crato por 10 anos.  Além de jornalista foi político e historiador. Um livro dele (“Apontamentos para a História do Cariri”, editado em 1861, na cidade de Recife), é – ainda hoje – importante fonte de pesquisa. João Brígido transferiu-se, posteriormente, para a cidade de Fortaleza. Lá criou o jornal “Unitário”e foi um dos mais destacados intelectuais da capital cearense. É autor dos livros: “Gênese do Ceará” e “Ceará, Homens e Fatos (1919), dentre outros.

Memória: os 250 anos da 2ª  paróquia mais antiga do Cariri
 Criada em 4 de janeiro de 1768, pelo 8º Bispo de Pernambuco – Dom Francisco Xavier Aranha –   a Paróquia de Nossa Senhora da Penha, de Crato, foi desmembrada da Paróquia de São José, de Missão Velha. Naquele tempo o Ceará pertencia à Diocese de Olinda. Originou-se a matriz cratense de uma humilde capelinha de taipa, coberta de palha, construída – por volta de 1740 – pelo capuchinho italiano, Frei Carlos Maria de Ferrara. Este frade foi o fundador do aldeamento da Missão do Miranda, núcleo inicial da atual cidade de Crato. A “missão” foi criada para abrigar e prestar assistência religiosa às populações indígenas que viviam espalhadas ao Norte da Chapada do Araripe.
Em janeiro de 1745, Frei Carlos Maria de Ferrara colocou na igrejinha uma placa de pedra, oficializando a consagração que fizera do pequeno templo. Este, dedicado “A Deus Uno e Trino e, de modo especial, a Nossa Senhora da Penha e, em segundo plano, a São Fidelis de Sigmaringa”. Em 2014, por decreto do Bispo Diocesano, Dom Fernando Panico, São Fidelis de Sigmaringa foi oficializado como “Co-padroeiro de Crato”.
Os 250 anos de criação da Paróquia de Nossa Senhora da Penha será o tema da festa da Rainha e Padroeira dos cratenses, que tem inicio no próximo dia 22 de agosto e termina em 1º de setembro.



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