quinta-feira, 30 de maio de 2019

O violino do Padre Cícero
    Este famoso sacerdote – nascido em Crato e existência quase toda vivida em Juazeiro do Norte – continua sendo o arquetípico do caririense: religioso, temente a Deus, caritativo e de boa índole.  Episódios da vida desse invulgar sacerdote continuam a ser “redescobertos”. A fama do Padre Cícero só faz crescer, principalmente depois da “reconciliação” que a Igreja Católica adotou no tocante à herança espiritual do sacerdote.
    Tempos atrás foi publicado por Joaquim Arraes de Alencar Pinheiro Bezerra de Menezes (carrega no DNA a boa índole de paz, honradez e benquerença do pai, Cesar Pinheiro Teles. Joaquim tem também no sangue os ideais políticos da defesa social dos pobres,  herança da família materna, cujo exemplo maior foi seu tio, o ex-governador  Miguel Arraes de Alencar) um artigo sobre um violino que o Padre Cícero adquiriu quando de sua única visita à Roma, para se defender das acusações e sanções impostas pelo Bispo de Fortaleza.
       Como dizia, Joaquim Pinheiro resgatou, naquele escrito, que o Padre Cícero trouxe de Roma dois violinos. Um deles foi presenteado a um parente do sacerdote. O outro, Pe. Cícero deu, em 1929, ao seu afilhado (por quem o sacerdote tinha grande afeto) o tabelião Antônio Teófilo Machado (mais conhecido por Machadinho), titular de um cartório em Crato durante décadas no século passado.

Sobre o violino
     Trata-se de um Maggini, modelo 1715, provavelmente adquirido de segunda mão, uma vez que a marca havia deixado de ser fabricada décadas antes de ser adquirido pelo Padre Cícero. Segundo Joaquim Pinheiro, no fundo do instrumento, embaixo da tampa, foi colado um papel e nele consta: “Adquirido pelo Pe. Cícero em Roma – Itália 1898. Of. a Antônio Machado em 26/03/1929 – Ceará – Juazeiro”.
     Antônio Machado tinha grande amor pelo violino, mas cedeu-o gratuitamente ao músico Paulino Galvão que passava uma temporada em Fortaleza. Indo morar no Rio de Janeiro, Paulino Galvão foi colega de orquestra do violinista cratense Virgílio Arraes, um “spalla” da Orquestra Sinfônica do Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Ambos tocaram em outras orquestras e trabalharam juntos em muitas ocasiões, inclusive em gravações de cantores famosos brasileiros. Paulino Galvão requereu sua aposentadoria e mudou-se para uma cidade do interior do Estado do Rio de Janeiro, deixando de tocar profissionalmente. Uma curiosidade: apesar de raro e do valor incalculável, o violino jamais foi comercializado, após chegar ao Brasil. Por isso passou, sucessivamente, de mãos em mãos, sempre a título de presente ou doação.

Nas mãos de Virgílio Arraes
       Passados alguns anos, Virgílio Arraes resolveu visitar Paulino Galvão na cidade onde estava morando e manifestou desejo de adquirir o violino que pertencera ao Padre Cícero. O músico aposentado respondeu que o instrumento era valioso demais para ser vendido e por esta razão não o venderia. Mas, na hora da despedida, pediu para o visitante aguardar um pouco. Voltou ao interior da casa e retornou com o instrumento raro, e o entregou a Virgílio Arraes, dizendo que era presente. Apenas pediu que cuidasse bem dele.
    Depois disso, o violino do Padre Cícero, foi presenteado a várias pessoas. Nunca foi vendido. E ainda hoje está bem guardado e bem conservado. Dias atrás, Joaquim Pinheiro me deu a notícia de que – mantendo a tradição – o violino mais uma vez trocou de mãos. Ele foi doado, por Virgílio Arraes, a uma profissional da música erudita, no caso a Professora Yeldes Machado, que vem a ser descendente do tabelião Antônio Teófilo Machado (Machadinho).

Saiba mais sobre Virgílio Arraes Filho 

  Damos a palavra a Joaquim Pinheiro: “O ex-proprietário do violino do Padre Cícero, Virgílio Arraes Filho, merece comentário à parte. Nascido no Crato, filho de Virgílio Arraes e de Marcionilia de Alencar Arraes, surpreendeu sua mãe quando, aos oito anos, afinou e tocou o bandolim a ela pertencente, sem nunca ter tido uma única aula de música. Diante do prodígio, seus pais procuraram o maestro da banda municipal para que lhe transmitisse noções da 1ª arte. 
      Ainda criança, ouviu uma música no rádio e sentiu-se atraído pelo som do violino, que jamais havia visto. Comunicou aos pais que não queria mais tocar bandolim e sim violino. “Seu” Virgílio (proprietário da primeira sorveteria do Crato – Sorveteria Brasil - e ex-prefeito de Campos Sales, onde nasceu) mandou buscar o instrumento no Rio de Janeiro. Resolvido um problema, surgiu outro: não havia professor no Cariri. A família mudou-se para Fortaleza. Os mestres da capital cearense perceberam o enorme talento do aluno e aconselharam o aluno brilhante ir estudar na então capital brasileira, o Rio de Janeiro.
      No Rio de Janeiro a carreira foi meteórica: primeiro lugar no vestibular na escola de música da UFRJ (1953), primeiro colocado no concurso público para a orquestra do Teatro Municipal, onde foi o primeiro violonista (“Spalla”) durante muitos anos. Músico da Orquestra Sinfônica Brasileira, da orquestra da TV Globo e muitos outros feitos. Único músico a tocar no cinquentenário (1959) e centenário do Teatro Municipal do RJ. Em seu currículo constam performances nos mais importantes palcos do mundo, inclusive com a orquestra do Royal Ballet de Londres, onde foi aplaudido pela realeza Inglesa e recebeu cumprimentos pessoais da princesa Anne, filha da Rainha Elizabeth II.
      Participou de gravações com consagrados nomes da MPB, como Roberto Carlos, Chico Buarque de Holanda, Tom Jobim, Vinicius de Moraes, Simone, Fagner, Djavan, Dalva de Oliveira, Orlando Silva e muitos outros”.

  Mestres da Cultura do Cariri

   Dos onze Mestres da Cultura, selecionados recentemente pela Secretaria de Cultura do Ceará, 6 (seis) são do Cariri. A conferir. De Juazeiro do Norte: Mestre de Reisado Antônio, Mestre de Banda Cabaçal Expedito Caboco e Siará, Mestre Cabaceiro. De Crato: Mestre de Luxeria em Lixo Reciclável Aécio de Zaíra e o Mestre em Dança de Coco Dona Edite do Coco. Da cidade Aurora foi selecionado o Mestre em Esculturas Gil D’Aurora, que também fabrica rabecas. Eles são chamados de “tesouro vivo da cultura popular cearense”.

O que são os Mestres da Cultura
   Anualmente, a Secretaria da Cultura do Ceará (Secult) seleciona e diploma pessoas, grupos ou comunidades que realizam com maestria o delicado trabalho de preservar as tradições culturais que nasceram e se firmaram de forma espontânea no nosso Estado. Eles são chamados de “Mestres da Cultura”. Entre as dezenas de mestres que existem nas cidades e comunidades cearenses, a Secult realiza uma seleção via edital desde o ano de 2004, quando este programa foi criado pelo ex-governador Lúcio Alcântara. Os escolhidos para o título de Mestre da Cultura recebem do Estado auxílio vitalício de um salário-mínimo por mês.

Um “Mestre da Cultura” de Barbalha
 "Seu" Jaime
 Jaime Arnaldo Rodrigues, “Seu” Jaime, 76 anos, possui um fábrica de mosaicos na cidade de Barbalha. Hoje, as novas gerações só conhecem os revestimentos de pisos feitos com ladrilho-cerâmico industrializado. Mas, até a década 70 do século passado, os pisos no Cariri eram revestidos com mosaicos artesanais. Existiam muitas fábricas de mosaicos no Cariri. Todas desaparecem com a chegada do piso-cerâmico. O artesão Jaime Arnaldo Rodrigues passou mais de 40 anos produzindo – na cidade de Barbalha – mosaicos artesanais. E voltou a fabricá-los há poucos anos. Por isso recebeu o título de “Mestre da Cultura” da Secult-Ceará.

Por que o mosaico tem valor?

                                                     Mosaicos fabricados em Barbalha

     Alguns leitores podem perguntar: e qual a importância artística do mosaico?. Embora não seja mais fabricado, o mosaico, além de ecológico, possui valor artístico e histórico que merece preservação. Trata-se de um ladrilho, feito de placa de cimento, areia, pó de mármore e pigmentos com superfície de textura lisa. O mosaico é um dos traços da cultura do Cariri que nos liga forte e imediatamente à península ibérica e seus valores não apenas europeus, mas fortemente orientais, via universo moçárabe. O mosaico vem do processo de fabricação onde a cura se dá na água, sem qualquer processo de queima, que agrida o meio ambiente. Além do mais, o mosaico possui alta resistência ao desgaste. 
     Tem um formato quadrado, de 20 x 20 cm, com acabamento liso e cores firmes, além de ser um produto artesanal, hoje raríssimo. Dai a importância de se preservar a produção do mosaico na cidade de Barbalha. O antigo Palácio Episcopal Bom Pastor, residência dos bispos de Crato, ainda conserva pisos de diversos desenhos de mosaicos, fabricados pelo escultor italiano Agostinho Balmes Odísio, que residiu em Juazeiro do Norte entre 1934 a 1940.

quinta-feira, 23 de maio de 2019

Cariri, poderá virar Patrimônio Cultural Imaterial da Unesco
 Sede da Fundação Casa Grande, em Nova Olinda

   Próximo mês de junho acontecerá, na Fundação Casa Grande – na cidade de Nova Olinda – o “Seminário Internacional de Patrimônio Cultural Imaterial na Chapada do Araripe”.  Trata-se evento destinado ao reconhecimento, pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), do Cariri cearense – mais precisamente a Chapada do Araripe e seu entorno – como Patrimônio Cultural Imaterial do povo brasileiro. Além da Secretaria de Cultura do Ceará (Secult), Fundação Casa Grande, SESC e as universidades da região (URCA e UFCA) compõem o grupo realizador desse evento.
      Para Alemberg Quindins, presidente da Fundação Casa Grande de Nova Olinda: “Estamos tendo um cenário aonde o Cariri e o Ceará vivem hoje um bom momento entre as políticas culturais e avanços na Cultura Popular. O Cariri é um território mágico, mitológico, paleontológico, arqueológico. Ele une quatro estados brasileiros e atende importantes critérios da Unesco como patrimônio mundial: integridade, autenticidade e universalidade”.
        Já Fabiano Píuba, Secretário da Cultura do Ceará, ratificou: “Pensar em patrimônio cultural para o Cariri tem que estar associado ao patrimônio natural. O Cariri e sua Chapada do Araripe é um território profundamente marcado pela cultura popular e tradicional, ambiente de expressões e manifestações riquíssimas; ao tempo que hoje se tornou um polo acadêmico com uma rede de universidades públicas e privadas, tendo a URCA e a UFCA como as principais instituições; além de ser uma zona de desenvolvimento econômico em pleno crescimento e ser um destino turístico dos mais procurados no Brasil, seja por seus aspectos culturais e ambientais”. 

Um exemplo que vem de Londres
    Há 153 anos teve início, em Londres, um projeto de colocação de pequenas placas redondas, na cor azul, em algumas fachadas de casas daquela cidade. Essas placas esféricas preservam o legado de pessoas que nasceram ou viveram em Londres, e que – de alguma forma –deixaram sua marca na história daquela cidade. Antes de ser colocada a placa, a sugestão passa por um critério rigoroso. Aliás, as placas só são colocadas após 20 anos da morte do nomeado, ou se já tiver passado 100 anos do seu nascimento. Que bom exemplo para as cidades caririenses preservarem sua memória.
      Na foto uma das "placas azuis" existentes em Londres. Esta assinala o prédio no qual morou, durante certo tempo, Mahatma Gandhi, o homem que conseguiu libertar a Índia do domínio inglês.

O desprezo pela memória do Cariri
 Bangalô aristocrático que existiu em Juazeiro do Norte

   Vem de longe a destruição da memória (arquitetônica, histórica e de reminiscências) da região do Cariri. Crato e Juazeiro do Norte destruíram o seu patrimônio arquitetônico. Barbalha foi a única cidade do Cariri a cuidar dos antigos casarões.  Infelizmente, a destruição da memória ocorre de forma mais intensa em Juazeiro do Norte, a maior cidade do Cariri. Se fosse adotado, em Juazeiro, o projeto das placas azuis, que existe em Londres, não teríamos mais os locais para colocar placas homenageando pessoas como Amália Xavier de Oliveira, Padre Climério, Mestre Noza, Mons. Juviniano Barreto, Mauro Sampaio, Mons. Murilo de Sá Barreto e tantos outros que foram importantes, em certas épocas,  para a vida de Juazeiro.
      Tempos atrás, o jornalista Jurandy Temóteo escreveu o texto abaixo na revista “A Província”: “As más administrações públicas, a falsa ideia de modernismo, a ganância financeira, a indiferença de considerável parcela da nossa população e a impunidade estão fazendo do Crato uma terra sem memória arquitetônica.

“Prédios públicos e particulares, de inestimáveis valores históricos e arquitetônicos continuam sendo destruídos ou mutilados sem que providências realmente sérias e eficazes se concretizem. Que “Cidade da Cultura”, que “Município Modelo” é este que extermina seus valores culturais, mutila suas ruas, praças, monumentos? O que se tem feito e se continua a fazer contra Crato é um crime, uma barbárie. Até quando?”.

 Vinho “Terras do Crato”
   
No último dia 15 de maio eu me encontrava na cidade de Fátima (Portugal) e entrei num restaurante (“O Recinto”) para almoçar. 
    Ao lado da minha mesa tinha uma prateleira expondo bons vinhos portugueses. Entre eles, havia o tinto “Terras do Crato”, fabricado no Crato português, cidade localizada na região do Alentejo. A uma pergunta sobre as características do vinho “Terras do Crato”, o funcionário do restaurante, no conhecido sotaque português explicou: “Trata-se de vinha na cor rubi, com aroma de notas de fruto vermelho maduro, complexo e intenso. Paladar equilibrado, taninos suaves e boa persistência. Vais a querer?” 
     O preço da garrafa era elevado. Desisti. Mas fica registrado,   para mostrar aos habitantes do Crato brasileiro, que o pequenino Crato do Alentejo português (com menos de quatro mil habitantes), produz excelentes vinhos.







Maria Caboré
    Ainda hoje presente no imaginário do povo de Crato, Maria Caboré, é tida como “santa” nas camadas mais simples da população cratense, 83 anos depois da morte dela.  Muita gente pede graças à alma de Maria Caboré e – alcançado o pedido – manda celebrar missas para ela. Recentemente, o advogado de Fortaleza, Geraldo Duarte, articulista do “Diário do Nordeste” publicou – naquele jornal – uma interessante crônica sobre Maria Caboré, que republicamos abaixo na íntegra.  A conferir:

 “Espírito de anjo ornado em trapos
Túmulo de Maria Caboré ,no Cemitério Nossa Senhora da Piedade, em Crato

   
 "Este, o verso primeiro de poesia do Padre Raimundo Augusto, completado com “Perambulando pela rua ao léu, / Companheira fiel até dos sapos, / Ela tinha por lar o azul do céu.” (quadra inicial do poema “Maria Caboré”, ode daquele pároco dedicado ao, talvez, mais querido personagem do Crato das décadas de 20 e 30 do século passado, publicado na revista Itaytera. Filha de Caboré, coveiro, e Calumbi, roceira, moradores do distrito Matinha, Cícera Maria da Silva Almeida os viu morrer precocemente. Aluou-se. Deu-se a perambular na terra-natal do Padre Cícero e ganhou a apelidação de Maria Caboré.
    "Morena, estatura mediana, utilizava uma espécie de turbante e adornada de miçangas. Na Rua da Vala, hoje Tristão Gonçalves, onde mais vivia, supria as casas com água, retirava o lixo, servia de recadeira e, em troca, ganhava alimentação, roupas usadas e alguns trocados. Suas ética e lealdade, a toda prova, mereciam o respeito e a estima de todos. Honestidade e boa índole a complementavam.
   No mundo ilusório era noiva do “Rei do Congo”, a quem sempre dedicou fidelidade. Dizia-se católica, frequentava a Igreja e confessava-se. Certa feita, notou que o sacerdote vestia calça sob a batina. Surpresa, declarou nas andanças: “Vige Maria, padre é homi!”. Encontrou um feto num dos entulhos daquela artéria. Levou-o à delegacia, entretanto, não envolvendo ninguém, alegou haver esquecido o local.
    "Vítima da peste bubônica que, em 1936, afligiu a cidade, foi interna no hospital improvisado no Seminário Diocesano São José, quando “faleceu piedosamente com a morte exemplar de um justo”, asseverou Padre Augusto. Para muitos cratenses e, até, nascidos noutras localidades caririenses, Maria Caboré é considerada espírito milagreiro deveras evocado. Seu túmulo, no Cemitério N. S. da Piedade, possui visitação frequente durante o ano, destacando-se no Dia de Finados”.

LEIA DE NOVO